O ESTRANHO NO NINHO

Poucas coisas me fazem ter momentos de nostalgia nessa vida. Mas esses dias eu reencontrei o meu antigo catequista de crisma, o Murilo. Extrovertido como sempre foi, entrou na sala falando alto e cumprimentando quase todo mundo, e até mesmo com a professora. Que coincidência vê-lo justamente no lugar que eu nem esperava encontrá-lo: na mesma Universidade que eu estudo.

Ao vê-lo chegar, fui ao seu encontro e cumprimentei-o. Ele como sempre, acompanhado com alguma companhia do sexo feminino, sem se incomodar se a companhia fosse bonita ou não, contanto que fosse agradável. Troquei algumas palavras e voltei para a mesa em que eu estava. Ele me deu o apelido Silva, por termos sobrenomes iguais, mesmo sem sermos parentes. O que ficou como uma marca registrada durante o curso de crisma, e até mesmo depois dele, pois os meus ex-colegas de turma sempre que me encontram na rua, me cumprimentam chamando de Silva.

O Sacramento da decisão.

Porque eu estou falando dele? Bem... Vamos voltar ao ano de 2003, quando eu tinha 21 anos. Minha tia tinha me inscrito no curso de crisma daqui da Igreja católica que fica perto de minha casa. Confesso que não simpatizava muito com esse pessoal tirado a santo. Cheguei, me sentei e fiquei observando as pessoas chegarem. Os catequistas eram gente séria, com cara de certinha, com farda da crisma e a maioria com crucifixos pendurados no pescoço. Começaram a falar algumas coisas sobre o curso, e o frade (a Igreja é franciscana) também deu uma palavra sobre de como esse sacramento é importante, e etc.

Depois foram fazendo uma espécie de chamada, e cada catequista ia formando uma turma. Confesso que estava preocupado, pois estavam demorando a me chamar. Quando anunciaram a minha turma, falaram os nomes de três catequistas: Mônica, Priscila e Murilo. As duas meninas apareceram com as mesmas vestimentas dos outros. Mas foi quando elas chegaram na frente e chamaram por ele, que eu me espantei: ele era diferente de todos os outros; alto, gordo, sorriso expansivo e olhos vivos. Ele não vestia calça, farda da crisma e muito menos tinha um crucifixo no pescoço.A presença dele no meio dos outros catequistas era estranha, pois ele era como se fosse mais um crismando do que um catequista. As outras pessoas olhavam pra ele e também comentavam. Algumas até riam do jeito largado dele, perguntando se ele era algum novato. Do meu ponto de vista, ele lembrava o cantor João Gordo, da banda Ratos de Porão, só que sem as tatuagens e os piercings.

Tire os piercings, as tatuagens e ele fica igual ao Murilo.

Mas quando fomos para a sala, foi que eu percebi que ele era mesmo o catequista, pois a cada encontro que tínhamos aos domingos, ele vislumbrava as pessoas com sua descontração e seu conhecimento sobre os temas que nós tínhamos durante o curso. Era comum as pessoas das outras salas, por curiosidade, aparecerem lá na minha, para saberem o porque de estarmos falando alto e rindo quase o tempo todo. Ele tinha um jeito de passar os temas, que impressionavam até os outros veteranos, pois conversando com o mesmo um tempo depois do curso ter começado, ele me disse que gostava de fazer as coisas do modo mais difícil. "Difícil?" Falei. Ele disse "sim" e me questionou perguntando: "O que é mais fácil Silva: fazer rir ou fazer chorar?" Respondi que era a segunda, e ele emendou: "Justamente! Se eu faço você rir, eu automaticamente estou te desarmando. Desarmando você, você está indefeso e aberto a ouvir qualquer coisa que eu quiser falar. E não vai esquecer disso tão cedo." Incrível! O pior é que ele estava certo! Tudo o que ele e as meninas, que não eram tão descontraídas quanto ele, passaram pra mim e eu não esqueci até hoje.

Fazer rir é difícil. É para poucos.

Outra coisa que eu sempre tive curiosidade e aproveitei o momento,foi o de perguntar porque ele nunca usava a farda da Pastoral da Crisma. Ele olhou pra mim e falou: "Já viu o que as pessoas fazem quando entram numa Faculdade, ou Universidade? Fazem uma farda. E porque fazem uma farda? Para se separar das outras pessoas e andarem em bandos. Se eu usasse farda, eu estaria colocando uma barreira entre mim e os crismandos. Eu nunca fui de mostrar pro crismando que eu sou diferente dele, porque muita gente poderia me encontrar num barzinho, ou num forró e ficar chocada com a cena. E isso já aconteceu muitas vezes, quando crismandos de outras turmas me encontravam em festas. E um catequista precisa estar próximo do crismando o suficiente, para poder criar um vínculo e fazer ele entender que além de catequistas, somos amigos deles." Eu o ouvia e ficava me questionando, pensando em como os sábios são os que menos se destacam entre as pessoas. Um exemplo é esse meu ex-catequista, que prefere andar no meio das pessoas sem se destacar pelo excesso de conhecimentos e sabedoria que tem. Olhando para ele, lembro de uma passagem da Bíblia, do livro do Eclesiastes que diz assim: "Ví príncipes andando a pé como escravos,e ví escravos andando à cavalo, como príncipes."

O sábio Eclesiastes.

Conhecer uma pessoa que nada na direção contrária desse mundo, e me fez ser quem eu sou hoje é para poucos. E o meu ex-catequista fazia isso muito bem, pois enquanto o mundo queria fazer ele pensar que ele era triste por ser quem ele era, ele mostrava a felicidade de ser quem ele é: diferente da maioria. Uma pessoa única. E ser único nesse mundo hoje em dia, está cada vez mais raro.